quarta-feira, 8 de junho de 2011

Série Por que você escreve? Escritores Leitores, Leitores nem tanto escritores.



Por que você escreve? Escritores Leitores, Leitores nem tanto escritores. 


Continuando ainda a me questionar diariamente com aquele questionamento básico que serviu como estopim para os meus mais diversos pensamentos sobre o assunto (ai cara, por que você escreve?) da escrita, tentando ainda interpretar sempre sob um ponto de vista diferente acordei esses dias com uma enorme vontade de pesquisar na internet sobre o assunto, de cara percebi que os mais diversos blogueiros e escritores já tentaram responder ao meu questionamento antes mesmo de eu querer torna-lo escrito aqui no blog. Alguns responderam primorosamente e até recentemente, outros de uma forma mais humana e essa forma se sobressai das outras pois é a forma do poeta que questiona e como questionador é ainda poeta de suas próprias questões. Li os mais diversos pensamentos sobre o "por que" do escrever, inclusive um delimitando o papel do autor e do escritor, outro da escrita e das diversas formas de escrever. Estou certo que um deles até ofereceu a definição do significado de "escrever" no dicionário Aurélio para seus leitores, o que acho em demasia um pouco de clichê, mas vale a pena lembrar aos leitores o significado real da palavra antes de trazê-la para o significado poético que dispensa o Aurélio quando o poético toma parte e transforma a palavra no umbral das possibilidades mais profundas daquilo que é escrito e se transforma na mensagem mais sublime que o escritor/autor quer expressar.




Pois é, o umbral se abre quando as palavras começam a se formarem em nossos pensamentos e se organizarem em frases cuja dimensão muitas vezes só descobrimos quando relemos, muitas vezes, e percebemos a profundidade daquilo que queremos expressar. Me deparei com a minha questão inicial me levando a crer que sem leitura eu poderia até escrever, foi quando mais jovem escrevia poesias e não lia poesia de outros escritores pois eu não queria me contaminar com a poesia dos outros para ter o meu próprio estilo e não sofrer influências, isso poderia até contribuir com minha criação mas de forma alguma contribuía com a qualidade daquilo que eu estava escrevendo, já me deparei com muitos escritores que se comportavam ou ainda se comportam dessa forma. O meu primeiro contato com poesia de verdade foi com o grande Camões, marcas que trago comigo até hoje e sei que vou levar comigo não pelo fato de ele ser grande ou sua obra o ser, mas pelo fato de que ele trazia no coração a chama da poesia e por saber prega-la primorosamente em seus escritos.

Ainda em minha pesquisa nos blogs alheios senti necessidade de ampliar o meu conhecimento e fui na busca de resenhas e depois de matérias das mais diferentes literaturas, surpreendente como ultimamente se tem produzido e mais surpreendente é constatar que pouco se tem lido. É uma discrepância? De modo algum, a leitura ainda é um hábito de poucos e muito poucos mesmo de tal modo que isso se reflete no tipo de produção literária que o indivíduo enquanto pessoa reproduz ou produz. Aqueles que pouco leem sabem de fato o que estão divulgando ou produzindo, pois não tem um domínio ou autocontrole em relação ao seu pensamento, chega por vezes a se confundir trazendo a tona um tipo de escrita cuja sua real fundamentação está na reescrita daquilo que foi escrito por outro ou com palavras mais simples ou mais rebuscadas. É incrível por exemplo visitar um site e descobrir que uma resenha de determinado livro é apenas uma cópia mal estrutura do que disse um outro autor. Longe de minhas pretensões discutir esse tipo de coisa, deixo isso para os mais literatos discutirem a exaustão, pois minha intenção na verdade é apenas apontar o quanto se está lendo para apontar o quanto se está escrevendo.

Recentemente descobrir que ler é a segunda alma do escritor, digo isso pois um escritor sem leitura nada escreve, é simples a razão tendo em vista que muito se escreve e sobre os mais diversos assuntos, um escritor que não ler não tem domínio sobre o que está produzindo e perde a noção da estruturação de todo um caminho que poderia seguir mediante a lembrança daquilo que lê. A segunda alma do escritor funciona como uma peça que alavanca e estrutura tudo aquilo que se está sendo escrito, ora para contradizer o que foi dito e ora para afirmar. A escrita é a reinvenção dela própria sob os mais diversos ângulos e formas cuja as minúcias vão se particularizando na forma como os escritores veem determinado tema abordado por ele. Escritores como Machado de Assis especialmente se destacaram nisso com primazia, basta fazer uma releitura de Dom Quixote de Cervantes e verificar os traços e semelhanças com Dom Casmurro de Machado pois são obras que tem uma diferença grande mas oras Machado concorda e oras não com o diálogo de Cervantes. Mas será que dialogar com outros escritores é o caminho? Na verdade eu não diria que o caminho é dialogar, o caminho na verdade quem traça é o escritor que tem o poder de tecer um perfil diferente para cada obra, o destino por vezes teima em ser diferente a cada escrito, a obra de Machado imprime um caráter pessoal e intransferível e veja bem ele ia ao Real Gabinete Português para fazer a leitura dos clássicos portugueses pois tinha uma intenção de fazer uma literatura nacional, é claro que não é um copia e cola ou mesmo uma forma diferente de falar aquilo que já foi dito pois o que foi dito já está registrado, trata-se de transformar as essências, mistura-las, testa-las como fazem os boticários as vezes o perfume sai uma delícia e outras vezes a mistura não é das melhores, mas presta atenção o que estou afirmando não é que você vai pegar a obra de um escritor e transforma-la em sua obra, de modo algum. Um bom escritor sabe que existem diversos modos e perspectivas diferentes de se falar a mesma coisa mas como o escritor o modo é único, ou seja, cada escritor tem um modo diferente mas o seu próprio perfume.

A leitura é fundamental para um bom escritor não apenas por detrimento de um bom vocabulário mas porque o transforma em um crítico do ponto de vista da obra em si e também porque o oferece diversas possibilidades e ideias tanto na questão da construção de seus personagens como do ambiente em que se desdobrará a história contada. Se você for um bom leitor poderá ser um bom escritor, poderá é uma possibilidade pois poucos tem o dom e a arte de transformar histórias em contos no papel, vou lhe contar uma história simples e você entenderá o porquê dessa minha afirmação.

Conheci dona Maria José lá na Paraíba, na cidade de Cacimba de Dentro, eu sempre fui muito introvertido e sempre gostei de conversar com os mais velhos pois eles tinham ótimas histórias para contar seja de seu passado ou de suas lendas. Dona Maria nunca teve contato com as letras, pouco sabia escrever seu nome mas era dona de histórias que nunca esquecerei algumas delas eram lendas que ela mesma inventava, era uma verdadeira contista de tal modo que todas as tardes estava eu lá sentado na calçada ouvindo atentamente as histórias, ela nunca leu mas segundo ela foi criada de tal modo que todas as tardes chuvosas do nordeste sempre no inverno o seu pai reunia toda a família dentro de casa próximo ao fogão de lenha que eles tinham na sala, com uma pequena chaminé improvisada que dissipava para longe a fumaça, o ritual era sempre o mesmo ele saia na parte da manhã para trabalhar na lavoura e tardinha voltava para casa trazendo consigo um feixe de lenha para o encontro com a família, devidamente esquentado o ambiente a primeira coisa que ele fazia era tocar uma música no seu violão já velho, a voz era rouca, dizia ela com um sorriso nos lábios e os olhos já lacrimejando, e após a música ele contava histórias e lendas, disse ela que aquilo era uma herança de pai para filho e que ela não pode continuar devido a sua impossibilidade de ter filhos, o fato é que todos os invernos a família tinha um encontro marcado às tardes de chuva. A exposição de Dona Maria José as histórias e lendas de seu pai, sempre ritmadas a transformaram em uma ótima contadora de histórias. Certamente se soubesse ler talvez por limitações não conseguiria por tudo o que estava na memória em letras expressas no papel, o dom de contar histórias não é o mesmo de escreve-las.

Machado de Assis é um ótimo comparativo com Dona Maria José, o perfil dele era de um cara tímido cuja timidez tentou superar através do escrito, além das influências das histórias familiares teve também a da leitura e foi na leitura que vislumbrou as mais diversas possibilidades de se destacar como escritor um contador de histórias nato, porém um contador cuja as dimensões ultrapassam as da fala já que o registro minucioso e rico em detalhes de suas histórias assim o são histórias para serem lidas e dificilmente faladas já que mesmo que tentemos ou exercitemos tal possibilidade de contar as histórias dele nos embarreiramos na dificuldade de descrever ricamente os detalhes escritos na obra.

Tanto para dona Maria José, Machado de Assis quanto para mim e para você a exposição aos mais diversos tipos de literaturas é que nos transformam em pessoas ricas e donas de uma capacidade de interpretação dos novos caminhos a serem escritos, sem leitura, sem um contato, sem a pesquisa, sairemos escrevendo a esmo e a mensagem que desejamos passar ficará para trás no primeiro momento da escrita.

Leia a primeira postagem


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3 comentários:

  1. Caramba! Fiquei emocioanda com tua reflexão, a parte da D.Maria José, me transportou a minha infancia, na fazenda do meu avô,na Bahia, Jequié - dias de lua, ficavamos no alpendre da casa grande, era alta, com uma varanda bem aconchegante, debulhando feijão e um senhorzinho, "seu" Jeová, vinha contar histórias de "rumannnce", assim ele falava com sua voz arrastada...os agregados todos vinham, traziam suas esteiras, colocavam no terreiro...voinha servia café com beiju de goma...lua alta, aquela voz arrastada, embalava meu sono de menina, encolhidinha na esteira, vigiada pela lua...

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  2. Estou certo que todas essas lembranças nos transportam a momentos ricos de nossa história pessoalmente, e são elas, as lembranças, que nos transformam naquilo que somos. É muito bom isso! Obrigado pela visita e comentário!

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  3. "Recentemente descobrir que ler é a segunda alma do escritor, digo isso pois um escritor sem leitura nada escreve, é simples a razão tendo em vista que muito se escreve e sobre os mais diversos assuntos, um escritor que não ler não tem domínio sobre o que está produzindo e perde a noção da estruturação de todo um caminho que poderia seguir mediante a lembrança daquilo que lê" - Concordo plenamente com isso Jan!

    Estou para escrever um texto sobre o tema lá no Cinco Contos e ler este aqui me fez abrir o caminho sobre várias coisas. Gostei muito da sua observação sobre a falta de hábito de leitura de nossa juventude. Pois é essencial a leitura para uma boa escrita. Ademais, tocante a es´toria da Dona Maria José. Também filho do Nordeste e do interior e cresci com essa cultura da contação de estórias. E isto fez toda diferença em minha formação.

    Um abraço! :D

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