terça-feira, 9 de agosto de 2011

Convidado - Conto Pecado Original - Cecília Alves Feitoza

Conto Pecado Original
Cecília Alves Feitoza*



Apanhou a flor, apanhou o amor que ele lhe dera gota por gota, era pouco. Gostava de banhar-se em cascatas de cachoeiras grandiosas, beijada e amada por peixes, por todos os deuses. Espiada pela Lua, adorada pelos Sóis. Era o canto mais suave e mais impetuoso da natureza: uma mulher, a minha mulher, artigo definido e possuído por mim.


Morreria pra satisfazer cada um dos seus caprichos. Tudo bem não sou sagitariano, nem tão pouco sou regido por qualquer signo zodiacal.


Chegarão amanhã minha arqueóloga e seu “pupilo fóssil’’.


Desembarcaram ambos, trazia-o preso a sua mão pequenina e macia aquilo que alguns ousariam chamar de mão.


-Meu Deus!Será que precisava tanto empenho?


-É meu trabalho.


-Trazê-lo pra morar conosco faz parte do seu trabalho também?


Deu de ombros deixando-o resmungar sozinho, observando aquela cena dantesca, era um delírio só poderia ser; alguma ingestão acidental talvez... O que poderia tê-lo envenenado?


-Não seja criança e trate de acordar desses seus devaneios. Como você fantasia; sabe qualquer um diria que sou sua mãe. Comporte-se como marido hein?!


-Essa é boa!E o que tenho sido então senão um pra você?


Já estava correndo atrás dos dois; a esposa e o ilustre acompanhante andavam rápido em demasia.


Gostaria de descrevê-lo. Não encontro termos apropriados em linguagem humana. Direi tão somente que é um resquício da primeira leva hominal, se é que é um termo apropriado.


Havia encontrado o adão da ciência; seria altamente condecorada, teria as maiores honrarias e privilégios da Terra; seu séquito de seguidores seria ainda maior. Viu-se cortejada pelo Sol em
todo esplendor e arrogância, eram iguais.


Aquele ser assustado e assustador observava-a trocar as vestes intrigado. Estava tonto da viagem, a memória razoavelmente afetada pelo tempo. Mas sabia plenamente com que tipo de gente estava lidando ,afinal, eram da mesma espécie, graças a esforços de seres como eles tinham progredido e civilizado. O raciocínio era parco, mas o instinto não o trairia.


O Novo velho homem passava por testes clínicos periodicamente, testes de reflexo, acuidade visual, e primordialmente todos as investigações relativas a mente e sua funcionalidade;foi confirmado que o crânio humano expandira-se com o passar dos séculos, entre outras coisas.Eram minuciosos e frios,extremamente detalhistas em tudo quanto pudesse servi-los;tinham em seu poder um espécime único, a coisa mais surpreendente da natureza humana sobre todos os aspectos,questionava-se sua moralidade,seus modos,sua existência paralela ;embora mostrasse claros resquícios de inteligência parecia alheio ao circundante, era primitivo.


-Eureca!Eureca!O eco das próprias palavras ainda fazia ruídos dentro de si.


-O que descobriu?


-Parece um homem congelado, e digo mais: aparentemente em ótimo estado de conservação, mirava-o com interesse, era repugnante, mas tinha olhos muito vivos pra alguém que estivesse
congelado há tanto tempo, aquilo atraiu sua atenção, seu desejo de desvendá-lo. Quando se puseram a desvencilhar o objeto em estudo do gelo, ele verdadeiramente eclodiu,nasceu, nasceu da forma mais inusitada. Não pronunciava palavras a principio entendíveis, emitia
somente sons guturais, aos poucos a comunicação foi se  estabelecendo entre ele e membros da equipe, principalmente com sua ilustre descobridora; uma mulher diabolicamente divina, alguns suprimiriam o artigo divino...


Ao financiador da expedição:


-Quanto me daria por um “ser” como esse?


-Ah!Querida pense no bem da comunidade cientifica.


Um ranger leve na porcelana dos dentes quase os trincou por completo, um jeito nos cabelos, levanta se aproximando dele.


-Precisarei de você meu amor.


-Como sempre, não é?


-Tem valido a pena, ou não?!


-Não sei.


-Pois te digo!Depois que assumi o comando das expedições que financia, seus lucros empresariais são cada vez mais vultosos, seu dinheiro é aliado da minha competência.


-Sempre modesta!Minha parceira perfeita, em tudo!


-Acho que eu não seria tão categórica quanto tu és nessas afirmações...


-Remorsos das explorações clandestinas?


-Jamais, falava apenas doutras coisas. Agora preciso ir meu embarque é pra logo, ou estou lá ou fico aqui nesses confins.


-Fique comigo!


-Por que confundir sempre as coisas?


-Ofendida Madona?


-Sim , por certo. Deixe-me por obséquio.


-Achei que até alguns instantes era seu amor, como sois frívola.


-Tenho senso de oportunidade só isso.


-Quando enfim dormirás nos meus braços?


-Adeus!Espero sua contribuição na conta de sempre, afinal o que nos une são apenas negócios, escusos, mas ainda assim negócios.


Viu as harmonias do talhe se esvaindo por entre as espirais das escadas, adorava contemplá-la nesse estado de mulher ferida e distante,um dia venceria aquele orgulho.


Em casa...


-E então Carolina como foi o seu dia com o nosso hóspede?Depositou em seus lábios róseos o beijo costumeiro: -Amo você querida!


Estava alheia aquela afetuosidade, lembrava-se doutras coisas mais importantes, não poderia, não agora, prescindir de tino e agilidade de movimentos, uma raposa perfeita, ardente de desejos não consumados e inconfessáveis.


Olhou-o com ternura, tinha pena dele, tão apaixonado; seguiria até o fim naquela farsa, fingiria amor e “ais” repassados de saudade quando tinha apenas pena. Pena de quê? Não sabia ao certo, talvez fosse algum grito de consciência rouca. O fato era: um marido fazia-
se necessário, sua postura de mulher honesta, bem casada, reputação inatacável por todos os aspectos precisaria ser mantida a qualquer custo e nada melhor do que um casamento como aquele com um homem de virtudes inquestionáveis; suas lavagens de dinheiro junto ao financiador jamais seriam descobertas. Quanto a amantes? Não teria estômago pra tanto, era preferível viver em castidade espiritual por que física já não era possível com um esposo tão devotado quanto o que possuía.


Olhos rasos d’água:


-Senti tantas saudades de ti querido o dia foi tedioso, sabes que ainda não tenho feito muitos progressos com ele. Enlaçou o seu pescoço com carinho, sussurrou baixinho no ouvido dele “estou cansada, poderia me levar pra cama?”, e aquilo era a senha pra tudo quanto ela sonhara conseguir dele, sua fragilidade encantava-o embora não fosse genuína.


Ele era puro e bom, via sua deusa, sua senhora, ou dona como queira, quiçá mestra; esse sim é o termo mais apropriado, como uma sílfide, dotada de qualidades admiráveis,adorava dedicar-lhe predicativos sempre ostentados com verdadeiro frenesi por sua rainha.Comandava cada um dos súditos de forma especial,única, como ela mesma.


“Todos querem sentir-se amados, indispensáveis ,e é importante cultivar neles a vaidade, sufocar o que poderia afastá-los de sua nefasta influência.” Seria eu tão má assim? Quisera somente o meu quinhão de felicidade terrena. Não matara, não causara intrigas, respeitava pai e mãe, guardava o sábado indo as missas com freqüência usual, não cobiçava o homem alheio,enfim ,seguia razoavelmente bem o decálogo:seu mais alto pecado era roubar.Fazia-o sem muitos escrúpulos.Gostava do poder e dos seus meandros, utilizava-o pra chegar onde queria,não tinha lá muitos limites sua ambição.Venderia os pais? Os dela não, mas os seus sim
leitor, portanto cuidado! Mantenha distância calculada.


Dormia com a cabeça repousada no seu seio alvo e palpitante. Gostava de cismar sobre aquele homem e sobre si mesma. Dentro do seu peito havia um casebre que destinara a ele, era a porção de amor que lhe cabia, sim, naquele instante ao vê-lo dormir consigo tão entregue e vulnerável, amou-o deveras, não tanto quanto ele merecia, mas já era algo: um casebre. Contudo isso não foi suficiente pra impedi-la de leiloar um ser humano em praça pública, tal qual escravo; o ser mais antigo da humanidade encontra-se exposto nas galerias mais famosas do mundo, arrebatado por incalculável fortuna: ganhara-o de presente de um admirador secreto,possuía titulo de propriedade sobre o animal, podia vendê-lo ou explorá-lo quanto quisesse. Seu nome permaneceu incógnito,jamais pronunciado em transações, o esposo esse um coitado, um infeliz, jamais suspeitaria de tal primor social e conjugal.


Desfilava seu amor próprio numa das galerias mais famosas do mundo. Agredida e morta pelo selvagem; tinha afinal o orgulho vencido, não por um homem como o de outrora, porém por
um animal tão primitivo quanto ela. A eterna revolta da criatura!


Seus instintos de aço haviam sido preservados sobre uma espessa camada de gelo por séculos, milênios a fio, impossível o Adão histórico ser enganado por uma Eva qualquer, tudo nela exalava os mais torpes sentimentos, o seu parco amor medrava, sufocava-se no lamaçal que era sua alma.


O perigoso ser sofreu um processo de recongelamento, a misérrima criatura viu na arqueóloga os instintos mais baixos, compartilhava todos eles numa época tão remota, tão presente e vanguardista.


Um dia o homem adâmico abriu as pupilas ressecadas, diante de si havia uma rosa desabrochando em pétalas douradas, douradas de amor.



*Biografia:
Cecília Alves Feitoza nasceu na capital Pernambucana aos 4 de outubro de 1989,residindo atualmente em Feira de Santana,Bahia.Seu grande sonho sempre foi escrever,começando pela poesia e se estabelecendo como contista.Precisamos viver pra só então escrever, a escrita é uma forma de expressão de si mesmo e do mundo pra jovem autora..Algumas vezes é preciso simplesmente parar pra sorver coisas novas e produzir resultados diferentes nas histórias.
Mantém o blog: http://paralelaseverticais.blogspot.com/

1 comentários:

  1. Espero que tenham gostado;passem também no meu blog...Sempre postagens exclusivas

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