quinta-feira, 28 de julho de 2011

Conto: O voo da galinha


O voo da Galinha
Jandeilson Bezerra
Não tão distante daqui, em um pequeno castelo à beira-mar morava o jovem Hamlet, trancafiado em seu quarto, cheio de dúvidas e temores. Ele estava passando por grandes dificuldades, não sabia o que fazer ou responder aos seus próprios questionamentos. Tinha por companheiro um pequeno papagaio que falava pelos cotovelos quando provocado.


O jovem era daqueles jovens alienados e impulsivos, não gostava de ser perturbado por ninguém, sua grande virtude era trazer soluções aos seus problemas, mas problemas era o que não tinha. Seu castelo era como se fosse uma pequena biblioteca, cheia de livros, os que mais se destacavam eram os livros da sabedoria grega, de homens como Sócrates, Aristóteles e assim por diante.


Certo dia andava ele cabisbaixo, não deixando o sol entrar em seu quarto, o que raramente acontecia, pois de sua janela dava para se ter uma linda vista do mar de São Conrado, um lugar paradisíaco, envolto por árvores e dunas, com lindas ilhas ao redor da orla, onde o sol se escondia todas as tardes. Uma vista realmente privilegiada e rara na face da terra, que só podia ser observada unicamente pelo dono dela, o próprio Hamlet.


O papagaio descontente caminha até o quarto de seu amigo e, entrando sem bater percebe toda a situação, não compreendendo segue até a janela. Dá um salto e puxa um pequeno cordão que faz as cortinas do quarto se abrirem e o sol entrar. O rapaz estava sentado, com os cotovelos sobre uma mesa cheia de livros, sua face agudamente triste. Eis que o papagaio sem ser provocado indaga:


- Meu jovem senhor, o que é feito de ti para que estejas assim?


- A meu companheiro, estou aqui com um questionamento que não me deixa dormir desde que pairou sobre minha cabeça.


- Mas sobre sua cabeça nada consigo enxergar.


- Claro meu amigo, quero dizer sobre meus questionamentos.


- Ah sim, seja mais claro!


- Pois bem, eis que vejo uma galinha…


- Onde? Onde? Diga-me oras! Há anos que nada vejo por essas terras!


- Não meu amigo, eu vejo a galinha em meus pensamentos!


- Ah bem! Porque não falou antes!


- Bom, vejo uma galinha, que está a beira de um penhasco, pensando ser um passarinho, quer voar. Mas antes alguém já havia falado a ela que não era passarinho e que não podia voar. Porém a galinha havia lido em uma pequena revista que ela podia ser o que quisesse.


- Certo, todos podemos ser o que queremos.


- Verdade. Mas como a galinha poderia ser passarinho e voar, se ela era uma galinha e certamente se abrisse as asas e saltasse do penhasco morreria?


Hamlet seguindo com seus questionamentos se depara então com aquela situação, onde uma galinha queria ser passarinho e voar. O papagaio logo compreendeu que era mais um daqueles tantos questionamentos que o rapaz passava horas e horas querendo resolver em sua mente puramente filosofal.


O papagaio percebe que continuar ali no quarto era inútil e que a resposta não chegaria tão facilmente assim. Então convidou a Hamlet para um passeio pela exuberante praia de São Conrado, admirar o por sol e juntos resolver aquele questionamento que mais torturava a mente de Hamlet do que qualquer coisa. E saíram os dois em busca de uma resposta.


Caminhando pela praia, eis que aparece uma serpente, balançando o seu rabo e cantando um tango, era totalmente desafinada mas nunca ninguém lhe havia dito isso. Rastejando e cantando sua música, que falava da beleza da vida, do amor perfeito e sem medidas, enxerga e assusta-se com Hamlet acompanhado de seu amigo emplumado: – O que fazem vocês dois aqui na praia?


O papagaio, com seu jeito debochado, parabeniza a serpente por sua tão bela voz – que afinada encantou aquele fim de tarde. O rapaz, balançando a cabeça, olha para o papagaio e começa a rir.


A serpente vira-se para Hamlet e pergunta o porquê da risada. Ele gagueja um instante e responde que nunca em toda a sua vida havia visto uma serpente balançando o rabo e cantando tango. Ela retruca de imediato que é cantora e que havia aprendido tango em uma de suas viagens pelo mundo afora.


Então, vira-se a serpente novamente para o papagaio com ares de quem aguarda uma resposta a sua pergunta. Percebendo isso, ele logo abre o bico e a deixa a par da situação de conflito que Hamlet vivia.


Certamente a serpente, com tão grande experiência, poderia ajudar dando luz ao pensamento do pequeno filósofo, mas ela só pensava em cantar seu tango. Como se nada tivesse acontecido, cantando a serpente vai saindo da presença dos novos amigos sem perceber que eles ainda estavam ali aflitos esperando por uma ajuda.


Logo Hamlet compreende que ela em nada poderia ter realmente ajudado, mas descobre naquele momento que alguém poderia ser duas coisas ao mesmo tempo, se quisesse. Como a serpente, que rastejando e balançando o rabo de chocalho, cantava tango, mesmo que desafinada. Mas e a galinha, poderia ser passarinho também? Esse era o questionamento que povoava a mente do rapaz naquela hora.


O sol começara a se por e a serpente ia desaparecendo entre as pedras da praia, Hamlet contemplava tudo com um ar de curiosidade e satisfação, na realidade o vôo da galinha era muito mais sério para Hamlet do que simplesmente um questionamento, mas percebeu que a lição que a serpente tinha lhe dado parecia agora mais relevante do que seu questionamento tolo.


Para responder aquela pergunta sobre a galinha, era necessário saber o que voar representava para ela e não simplesmente o ato de bater as asas como um pássaro.


Hamlet rapidamente subiu até um ponto alto na montanha, abriu os braços e, sentindo a brisa suave bater em seu rosto, simplesmente percebeu que a galinha não queria voar. Ali, parado de braços abertos, com os olhos fechados, os cabelos ao vento, naquele momento percebeu que só o fato de estar ali era suficiente para representar um vôo dentro da imaginação.

1 comentários:

  1. Gostei bastante do conto!!
    No final achei que ele ía se jogar do penhasco, ainda bem que não!

    ^^

    ResponderExcluir