Tela Coqueiro de Gaivotas
de Marina Papi
"conversa entre dois poetas oralmente calados, munidos de uma única folha de papel, um lápis apenas e duas inspirações tagarelas entre si..."
Jandeílson Bezerra escreveu no topo de uma folha em branco:
“Representatividade do desconhecido”
Ao passo que Uirá Felipe escreveu logo abaixo, criando um subtítulo:
- … A ponte entre pontes … -
Até então não sabiam nem o quê e nem como, apenas decidiram que escreveriam ambos numa mesma narrativa poética. Assim sendo, Jandeílson prosseguiu, dando início ao diálogo-poema:
JB:
Caminhos que levam até onde não sei
se perfazem em segredos, nessa tua selva
que vislumbra o mais silencioso de teu desconhecido
e assim eu tento, por essa minha letra tremida
mergulhar nessas ideias que o atormentam
essa sua infinita busca ousada e atrevida
esse seu mar de estrelas que o acalentam
e transbordam pela taça desse teu suave veneno
que faz até meu próprio íntimo parecer pequeno
Calar-me pois?!!
(O que te gera essa incerteza, certa certeza disso viver?)
Poesia que me decompôs...
Então Jandeílson começou a demorar muito pra escrever o próximo verso, e Uirá Felipe, impaciente, tomou a folha de papel de suas mãos e se pôs-se a ler compenetradamente os versos acima. A vontade de entender superou a dificuldade de decifrar a grafia de Jandeílson, tão imprecisa quanto a sua própria. Deu um longo suspiro, olhou para a parede e refletiu por ligeiros instantes. Tomou para si o lápis e sentiu o vento subir-lhe o peito, fazendo aquela faísca elétrica que os poetas chamam de inspiração. Começou então a escrever incessantemente, tentando responder àqueles versos enquanto ia levantando muitas outras questões...
UF:
Essa pergunta, essa sua pergunta, o que ela me pergunta? Dúvida, questão em poesia conjunta... Receber isso movimenta em mim a curiosidade característica mais próxima daquilo que existencialmente me faz, afinal, a busca nos desfine quando nos tornamos aquilo que sonhamos... porque...
Eu sonho em realizar sonhos
e inventar explicações que
façam encantos tornarem-se realidade
Milagre é eu me aproximar da expressão
que ilumine a tal representatividade do desconhecido..
Será representável o não conhecimento?
O vazio tem forma? E o infinito, que forma tem?
Milagre é a multiplicação, a evolução, o crescimento
é a vontade do aventureiro, o sentido do sentimento
É o transformar num coletivo o que era particular
é o tornar público ou plural o que era antes singular
Então pergunto:
De onde vem a certeza dessas minhas incertezas e indagações?
Porque elas são tão convencidas de suas dúvidas e suas questões?
A verdade é que eu não sei, não sei de nada
enquanto caminho não vejo o fim da estrada
E não entendo, e nem mesmo quero entender
Pois o que mais quero é o meu próprio querer,
Querer entender é meu próprio seguir, meu caminhar,
Não quero saber ao certo onde pretendo chegar
porque é exatamente onde não entendo
que em tropeços num susto eu aprendo
errar é também viver, nunca me arrependo...
E minha vontade então só me é possível
diante de uma aparente impossibilidade
desafiosa exploração desenfreada
furiosamente em busca do reconhecimento
de algum inédito desconhecido
Pode o inesplicável ser resumido?
Querer tentar explicar o meu exato presente
do imediato querer, implícita pulsão da mente
Essa é a loucura inconsequente que me quebra
Pois é precisamente a dúvida o que eu almejo
minha livre vontade em si mesma se encerra
Ela deseja sentir-se em seu próprio (ser-)desejo
Só o que me causa incerteza
é capaz de gerar a tal beleza
de querer ser, sentir-se certeza
Não consigo decodificar as regras da existência
Minhas respostas terminam ou com reticências
ou com muitos pontos de interrogação,
se exaurem tagarelas de impaciências
até o cansaço dissolver qualquer noção
E turvam naturais transparências
manipulam o real e as aparências
Até sentir em mente o pulso do coração
Tão inevitável quanto aforça da gravidade
é a minha atração pela inventividade
vertiginoso olhar meu que é tão atirado
reconhece do breu só o que é inventado
[A mentira só é de verdade (porque) a verdade é de mentira]
A verdade é uma palavra, isso eu sei, é uma ideia
só uma ideia entre tantos milhos no milharal
E o que é que todos nós realmente somos afinal
senão uma grande orgia de ideias
misturadas num wikipédia emocional?
Enquanto Uirá escrevia, Jandeílson, ansioso, já ia lendo, verso por verso, e pensando, entendendo e não entendendo. E assim que Uirá finalmente interrompeu sua catárse poética para olhar Jandeílson, ele tomou o papel de suas mãos e ligeiramente concluiu:
JB:
(…) … e me perdoe a irrepresentatividade daquelas pontes entre pontes,
Ao não finalizar essa ideia, você vai ver
vai te permitir enfim você mesmo o fazer
É que pra mim também ainda há muitos horizontes
há tanto que não consigo entender
e nem posso, nem quero,
não hei de compreender...
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