sexta-feira, 1 de abril de 2011

Diálogo Poético ou Mosaico Conjunto

Tela Coqueiro de Gaivotas
de Marina Papi



"conversa entre dois poetas oralmente calados, munidos de uma única folha de papel, um lápis apenas e duas inspirações tagarelas entre si..."

Jandeílson Bezerra escreveu no topo de uma folha em branco:
“Representatividade do desconhecido”

Ao passo que Uirá Felipe escreveu logo abaixo, criando um subtítulo:
- … A ponte entre pontes … -

Até então não sabiam nem o quê e nem como, apenas decidiram que escreveriam ambos numa mesma narrativa poética. Assim sendo, Jandeílson prosseguiu, dando início ao diálogo-poema:

JB:

Caminhos que levam até onde não sei
se perfazem em segredos, nessa tua selva
que vislumbra o mais silencioso de teu desconhecido
e assim eu tento, por essa minha letra tremida
mergulhar nessas ideias que o atormentam
essa sua infinita busca ousada e atrevida
esse seu mar de estrelas que o acalentam
e transbordam pela taça desse teu suave veneno
que faz até meu próprio íntimo parecer pequeno

Calar-me pois?!!

(O que te gera essa incerteza, certa certeza disso viver?)

Poesia que me decompôs...


Então Jandeílson começou a demorar muito pra escrever o próximo verso, e Uirá Felipe, impaciente, tomou a folha de papel de suas mãos e se pôs-se a ler compenetradamente os versos acima. A vontade de entender superou a dificuldade de decifrar a grafia de Jandeílson, tão imprecisa quanto a sua própria. Deu um longo suspiro, olhou para a parede e refletiu por ligeiros instantes. Tomou para si o lápis e sentiu o vento subir-lhe o peito, fazendo aquela faísca elétrica que os poetas chamam de inspiração. Começou então a escrever incessantemente, tentando responder àqueles versos enquanto ia levantando muitas outras questões...

UF:
Essa pergunta, essa sua pergunta, o que ela me pergunta? Dúvida, questão em poesia conjunta... Receber isso movimenta em mim a curiosidade característica mais próxima daquilo que existencialmente me faz, afinal, a busca nos desfine quando nos tornamos aquilo que sonhamos... porque...

Eu sonho em realizar sonhos
e inventar explicações que
façam encantos tornarem-se realidade

Milagre é eu me aproximar da expressão
que ilumine a tal representatividade do desconhecido..
Será representável o não conhecimento?
O vazio tem forma? E o infinito, que forma tem?
Milagre é a multiplicação, a evolução, o crescimento
é a vontade do aventureiro, o sentido do sentimento

É o transformar num coletivo o que era particular
é o tornar público ou plural o que era antes singular

Então pergunto:

De onde vem a certeza dessas minhas incertezas e indagações?
Porque elas são tão convencidas de suas dúvidas e suas questões?
A verdade é que eu não sei, não sei de nada
enquanto caminho não vejo o fim da estrada

E não entendo, e nem mesmo quero entender
Pois o que mais quero é o meu próprio querer,
Querer entender é meu próprio seguir, meu caminhar,
Não quero saber ao certo onde pretendo chegar
porque é exatamente onde não entendo
que em tropeços num susto eu aprendo
errar é também viver, nunca me arrependo...

E minha vontade então só me é possível
diante de uma aparente impossibilidade
desafiosa exploração desenfreada
furiosamente em busca do reconhecimento
de algum inédito desconhecido
Pode o inesplicável ser resumido?

Querer tentar explicar o meu exato presente
do imediato querer, implícita pulsão da mente
Essa é a loucura inconsequente que me quebra
Pois é precisamente a dúvida o que eu almejo
minha livre vontade em si mesma se encerra
Ela deseja sentir-se em seu próprio (ser-)desejo

Só o que me causa incerteza
é capaz de gerar a tal beleza
de querer ser, sentir-se certeza

Não consigo decodificar as regras da existência
Minhas respostas terminam ou com reticências
ou com muitos pontos de interrogação,
se exaurem tagarelas de impaciências
até o cansaço dissolver qualquer noção
E turvam naturais transparências
manipulam o real e as aparências
Até sentir em mente o pulso do coração

Tão inevitável quanto aforça da gravidade
é a minha atração pela inventividade
vertiginoso olhar meu que é tão atirado
reconhece do breu só o que é inventado

[A mentira só é de verdade (porque) a verdade é de mentira]

A verdade é uma palavra, isso eu sei, é uma ideia
só uma ideia entre tantos milhos no milharal
E o que é que todos nós realmente somos afinal
senão uma grande orgia de ideias
misturadas num wikipédia emocional?

Enquanto Uirá escrevia, Jandeílson, ansioso, já ia lendo, verso por verso, e pensando, entendendo e não entendendo. E assim que Uirá finalmente interrompeu sua catárse poética para olhar Jandeílson, ele tomou o papel de suas mãos e ligeiramente concluiu:

JB:
(…) … e me perdoe a irrepresentatividade daquelas pontes entre pontes,
Ao não finalizar essa ideia, você vai ver
vai te permitir enfim você mesmo o fazer
É que pra mim também ainda há muitos horizontes
há tanto que não consigo entender
e nem posso, nem quero,
não hei de compreender...

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