domingo, 30 de janeiro de 2011

Conto Faces de uma noite publicado pela CBJE



Certa tarde, estava Leonardo se vestindo como de costume para ir trabalhar. Sua vestimenta era de um dia normal de calor na cidade carioca, uma blusa regata na cor cinza, uma bermuda preta e sandálias brancas. Em seu quarto um som ambiente tocando músicas de Lady Gaga. Colocando as sandálias nos pés, desliga o som, retira seu MP3 e se dirige até a porta esquecendo suas chaves em cima de uma escrivaninha ao lado do aparelho de som. Retorna apressado e pega as chaves, pois estava atrasado para o trabalho.

Saindo de casa, cumprimenta a vizinha e, ao descer o beco, depara-se com dois caminhos, resolve optar pelo trajeto mais rápido, que aparentava ser o mais escuro, o sol parecia não ter efeito - era iluminado por uma única luz trêmula que saía do poste. Escolhida a direção, segue feliz com seu MP3 no bolso, fones no ouvido, as músicas que tocavam eram às mesmas que ele escutara em casa.

O caminho era apertado, um beco, cheio de batentes e postes, que mais serviam para segurar os gatos do local, um emaranhado de fios terrível. Na primeira casa que Leonardo passa vê-se o desenho de uma face bonita na lateral da parede, talvez desenhada por um desses jovens pichadores. Do seu lado direito depara-se com uma outra face, dessa vez de um jovem, cuja a imagem transmite alguém com um sorriso elísio. Mais uma face adiante, a de uma mulher aparentemente loira, nariz formoso, mais à frente outra face, e outra face, passavam como em um filme em câmera lenta, sempre do lado esquerdo para o direito de Leonardo. Aquilo começou a ficar estranho, as faces bonitas dão lugar a rostos desfigurados, com olhos sangrando, boca costurada, sem nariz. O rapaz começou achar aquilo tudo enigmático. A cada momento as faces pareciam mais reais. Leonardo para diante de uma em que a boca sangrava, quis analisá-la, o rosto parecia querer se aproximar, saltar para cima do jovem, mas, como já estava atrasado, logo pensou em continuar andado. Ao virar para seguir seu destino, a única luz que iluminava aquele beco se apagara, Leonardo arrepia-se como que sentindo um sinal de presságio, o que antes era escuro ficou sombrio, tenebroso. O ar confiante do jovem deu espaço a desconfiança, ao medo, da atmosfera singular, o silêncio, que insistentemente era rompido pelo ritmado som que saía do fone no ouvido de Leonardo. A tenebrosidade do lugar ficou ainda mais horripilante e assustadora quando o jovem se deu conta de que as faces nas paredes ainda eram visíveis, agora em cores mais vivas, mais reluzentes e assustadoras.

O rapaz agora tem certeza da anormalidade daquela situação, o coração impetuosamente querendo sair pela boca, as faces pareciam estar em seu encalço, totalmente deturpadas. Ele treme, transpira frio como o gelo mais sólido do Ártico, força passos largos que não adiantam muito, o tempo não passava, dando a impressão de que o lugar está ainda mais longe de seu fim. Tira os fones do ouvido, coloca-os no bolso, nesse momento as batidas suaves do pop dão lugar a gemidos assustadores, um relinchar de portas abrindo e fechando e o latidos de cachorros ao longe.

Uma mão toca no ombro de Leonardo, o coração já pulsando em ritmo acelerado, agora parece mais o bumbo solitário no tom mais alto que consegue atingir, que até dava para ouvir no meio daqueles sussurros, gemidos e latidos. Olha para trás lentamente, o pavor toma de conta de suas pernas já trêmulas, não para de percorrer aquele beco escuro, virando por completo e caminhando de costas não vê ninguém. Quase que automaticamente começa a correr, olhando para trás segundo a segundo.

- Ave Maria cheia de graça...

Continua sua oração, correndo desesperado, as faces pareciam saltar da parede ao ponto de diversas vezes ele pular para o lado gritando apavorado, buscando delas se esquivar.

- Meu Deus, o tempo não passa, me tira daqui, Senhor! - Grita.

Ao longe enxerga luz, o cenário de terror fracamente começa a se dissipar enquanto Leonardo permanece correndo, as faces somem quando ele ultrapassa a fresta do beco que dá para a rua, mais parecendo romper com uma outra dimensão. Encontra-se agora no Valão, famosa rua da Favela da Rocinha. Com o coração ainda acelerado, percebe, do outro lado da rua, pessoas o olhando. Pálido e assustado recompõe-se e torna a caminhar com a cabeça inundada de pensamentos. Sequer olha para trás. Tira lentamente o fone do bolso e coloca novamente no ouvido. Uma mão toca-lhe no ombro, a mesma mão que tocou-lhe naquele momento.

- Socorro! - Gritou Leonardo.
- Qual é amigo, o que foi? Tá passando mal?
- Ah, cara é você?!
- Claro, mas diz aí ... porque tu começou a correr desesperado na hora que te toquei no ombro lá atrás no beco?

Caindo na gargalhada, Leonardo percebe que tudo não passou apenas de uma fantasia criada por ele mesmo.




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